Protesto de cheque prescrito


Por Caroline Ribas Sérgio em 26/10/2019 | Processo Civil | Comentários: 0

Tags: Código de Processo Civil.

 

1. Protesto de cheque prescrito

O protesto é um instituto que acompanha as transações financeiras desde os primórdios da humanidade.

A Lei estabelece através de seu artigo 206§ 3ºIII do Código Civil que prescreve em três anos, a pretensão para haver o pagamento dos títulos de crédito:

“VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial.”

Conforme o entendimento jurisprudencial, com a prescrição do título executivo, o mesmo não poderá ser protestado.

Ocorrendo protesto após o prazo prescricional, o consumidor tem todo o direito de exigir sua imediata sustação, ensejando indenização por danos morais.

No entanto, sob outro enfoque, alguns tribunais têm considerado como viável o protesto de cheque prescrito, conforme adiante será exposto.

2. Protesto do cheque após o prazo legal. Inviabilidade do ato

No caso do cheque, que é regulado por meio da Lei Especial nº 7.357/85, o prazo prescricional a ser aplicado é de 06 meses e o prazo legal para protesto é de 30 dias, quando emitido no lugar onde deverá ocorrer o pagamento e, de 60 dias, quando emitido em outro lugar do País ou do exterior, sendo que nestes casos o protesto deverá ser efetuado no lugar do pagamento ou então, no domicilio do emitente.

Nessa senda, convém colacionar os artigos 33 e 48 da Lei Especial, a qual regula a matéria:

Art. 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Art. 48 O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no lugar de pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação. Se esta ocorrer no último dia do prazo, o protesto ou as declarações podem fazer-se no primeiro dia útil seguinte.

Portanto, o protesto de cheque fora destes prazos ou em outra cidade que não aquela que for o do lugar de pagamento ou do domicilio do emitente, é ilegal.

Embora os cartórios de protesto não estejam obrigados a negar o protesto de títulos de crédito (cheques, notas promissórias, letra de câmbio e duplicata) prescritos (com mais de 3 anos da data em que o título venceu e não foi pago), no caso de haver o protesto após o prazo de prescrição, o mesmo é ilegal e o consumidor tem o direito de buscar a justiça o pedido da imediata sustação do mesmo.

Vale ressaltar que, embora os prazos de prescrição sejam inferiores a 5 anos, para efeitos de SPC e SERASA continua valendo o prazo de 5 anos a contar da data de vencimento da dívida.

No caso de ocorrer o protesto de dívidas com mais de 5 anos, ensejará conforme entendimento jurisprudencial, ação de indenização por danos morais, podendo o emitente, exigir a imediata retirada do protesto.

Nesse sentido, convém colacionar os julgados abaixo, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, os quais corroboram com o entendimento acima exposto:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO, COMO PEDIDO DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROTESTO DE CHEQUE APÓS O DECURSO DO PRAZO DE APRESENTAÇÃO DO TÍTULO. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. Inviável se mostra o protesto de cheque prescrito, encaminhado depois de expirado o prazo de apresentação do título. Lei n.º 7.357/85. Precedentes da Corte. DANO MORAL PURO OU "IN RE IPSA". DESNECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO. PRESSUPOSTOS CONFIGURADORES DO DEVER DE INDENIZAR DEMONSTRADOS. QUANTUM DEBEATUR. O valor a ser fixado a título de indenização por danos morais deve atender ao binômio "reparação/punição", à situação econômica dos litigantes, e ao elemento subjetivo do ilícito, arbitrando-se um valor que seja ao mesmo tempo reparatório e punitivo, não sendo irrisório e nem se traduzindo em enriquecimento indevido. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057706491, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 27/02/2014)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO COM PEDIDO LIMINAR DE CANCELAMENTO DE PROTESTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CHEQUEPRESCRITO LEVADO A PROTESTO. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL. CABIMENTO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. ENUNCIADO DA SÚMULA 362, STJ. POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70057237232, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 04/12/2013).

Portanto, sob este enfoque, é incabível o protesto de cheque prescrito, cabendo ao emitente do cheque, ser indenizado pelos danos morais decorrentes do protesto indevido.

3. Análise sob o óbice da lei 9.492/97

No entanto, o legislador trouxe, taxativamente no art. 9º. da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97) a obrigatoriedade de o Tabelião de Protestos receber para protocolização títulos e documentos de dívida quando não houver vícios, não lhe cabendo investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. Vejamos:

“Art. 9º Todos os títulos ou documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade ”

No ensinamento doutrinário que bem explora o tema, Eduardo Pacheco Ribeiro de Sousa[1] ponderou no sentido de que, o cheque por não mais gozar de eficácia de título executivo, perdendo uma das características dos títulos de crédito, que é a força executiva, mais acertado parece que o cheque prescrito deva ser apresentado e protocolizado como documento de dívida, inovação introduzida pela Lei 9.492/97. E continua, considerando que a Lei 9.492 foi editada em momento que a busca por meios mais simples, rápidos e menos onerosos para os interessados solucionarem conflitos de interesses é evidente, considerando que a realidade das relações jurídicas envolvendo débito e crédito exige segurança e solução célere para os conflitos, e considerando que não há palavras inúteis na lei, que refere-se em diversos dispositivos aos documentos de dívida, não se pode emprestar à expressão interpretação restritiva sem amparo na lei.

Na doutrina sobre a apresentação e protocolização, Walter Ceneviva[2] afirma que o esgotamento de prazos prescricionais (de que resulta a extinção do direito de ação) ou decadenciais (o próprio direito deixa de existir) não obsta a acolhida do papel, nem é motivo alegável para sua recusa. A disposição expressa resolve problema que perturbou a doutrina e a jurisprudência no passado, quando se submetiam à avaliação dos oficiais questões alheias à sua competência.

A Lei de Protestos (art. 9º), além de determinar a obrigatoriedade do protocolo, limita o exame aos elementos extrínsecos do instrumento apresentado, consoante se vê do parágrafo único para o registro do protesto, mas não para sua acolhida no serviço.

Temos desse modo uma determinação legal, ou seja, caso o Tabelião de Protestos recuse o aponte de cheque (ou qualquer outro título) prescrito estaria ferindo frontalmente uma norma legal, vez que o legislador amplia a possibilidade de o apresentante levar o cheque a protesto para provar o seu inadimplemento e descumprimento da obrigação.

A proposição que ora submetemos à apreciação da possibilidade do protesto do cheque prescrito tem o objetivo de colocar em passos separados o procedimento judicial do extrajudicial. No processo executório a própria lei do cheque nos artigos 47 e 48 já determina como deverá ser o procedimento e qual o prazo para interposição na esfera judicial, destarte, para apresentação à protesto na esfera extrajudicial existe a lei de protestos que traz taxativamente os moldes do procedimento. No momento em que o credor apresenta o cheque para protocolização no Cartório de Protestos, o Tabelião não contempla sua competência em observar a prescrição ou caducidade. Ora, não estando prescrito, o cheque deverá ser protestado em tem hábil para o credor executá-lo, em contrapartida, se estiver prescrito o cheque o Tabelião o reconhecerá como documento de dívida (confissão de dívida) e não como cambial, devendo lavrar e registrar o protesto conforme os ditames legais.

Impende ressaltar nesse sentido, que o TJRJ adota a posição de que é possível o protesto de cheque prescrito ao fundamento de que o mesmo constitui prova da dívida para fins do art.  da Lei n. 9.492/97, consoante Súmula nº 236, TJRJ “São destinados a protesto, na forma da Lei 9492/1997, títulos e documentos de dívidas não prescritos, ainda que desprovidos de eficácia executiva.” e “Conforme a Lei 9492/97 são protestáveis títulos de crédito e outros documentos de dívida. Assim, de acordo com este dispositivo legal, não cabe sustentar que apenas o título executivo pode ser protestado; também o pode o título de crédito que não mais tenha executoriedade, assim como outros documentos de dívida.” (Uniformização de Jurisprudência nº. 0062864-26.2010.8.19.0000).

Assim, sob este enfoque, aplicando-se o disposto na Lei nº 9.492/97, é viável o protesto de cheque prescrito.

4. Conclusão

Segundo entendimento exarado o cheque prescrito não pode ser objeto de protesto. Isto porque o art.  da Lei n. 9.492/1997 exige, para fins de protesto, a prova da inadimplência - e a finalidade precípua do protesto é justamente provar a inadimplência, para fins de iniciar a contagem dos juros - e, para isso, é preciso que o título ou outro documento de dívida tenha exigibilidade, ou seja, que possa ser exigido de pronto o seu cumprimento.

O cheque prescrito - estamos falando da prescrição da eficácia executiva do cheque, de 30 dias, se da mesma praça, ou 60, se de praça diversa, mais 6 meses a contar da emissão do cheque - está despido de exigibilidade e, por conseguinte, não pode ser de pronto exigível, daí porque não pode ser objeto de protesto.

Conquanto o art.  da Lei n. 9.492/97 fale que o tabelião de protesto não deve investigar a ocorrência de prescrição do título, em uma interpretação sistemática, entendemos que esse dispositivo foi tacitamente derrogado nessa parte, devendo o tabelião de protesto investigar a ocorrência de prescrição com fulcro na Lei nº 11.280/2006, que a colocou dentre as matérias que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz (art. 219§ 5ºCPC).

O fato do cheque prescrito constituir "prova da dívida" para fins de ação monitória ou mesmo prova a aparelhar ação de cobrança não interfere nessa conclusão, porque o que será exigível, nesses casos, será o título executivo judicial e não o cheque, caso o credor obtenha êxito na ação monitória ou na ação de cobrança.

Assim, o protesto de cheque prescrito é considerado indevido e, portanto, gera dano moral. Entende-se que a prova do não pagamento do título, quando muito, poderia minorar a condenação à indenização por dano moral, mas jamais afastá-la por completo.

 

NOTAS

[1] http://www.wrprotestos.com.br/paginas/cheque_prescrito.htm

[2] CENEVIVA, Walter. LEI DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES COMENTADA ISBN: 850221163 Edição: 9 Editora: SARAIVA Autor (es): WALTER CENEVIVA, 2014;

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Sobre o autor

Caroline Ribas Sérgio

Advogada, natural de Porto Alegre, inscrita na OAB/RS 88.212. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) pela PUCRS com conclusão do curso em 2011/02. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Uniritter com conclusão do curso em 2016/02. Atualmente, cursando Pós Graduação em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) com previsão de conclusão em 2020/02. Membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/RS desde 2018. Desde 2015, desenvolve e escreve artigos jurídicos debatendo temas ligados a área cível, em especial vinculados ao Direito de Família e Sucessões. Na página DireitoNet possuí uma página própria com 14 artigos publicados atualmente, os quais contam com mais de 548 mil acessos. No acervo da Biblioteca do Senado, atualmente possuí 16 publicações em revistas jurídicas. Gerenciadora e criadora de vídeos para a página no YouTube Café Jurídico por Caroline Sérgio (https://www.youtube.com/channel/UCld2e51UeSu8FiJcM8PyY7A), na qual são abordados, assuntos jurídicos sobre os artigos de autoria própria. A página foi criada em 18/01/2019 e atualmente conta com mais de 18 mil visualizações.


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